Para o público infantil, a atração é Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro, de Guilherme Fiúza Zenha, espetacular animação 100% produzida em Minas Gerais com acessibilidade em legendas, audiodescrição e Libras.
Exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes de 2022, Pacifiction, de Albert Serra, foi indicado pela crítica internacional como uma das obras mais marcantes de 2023. Celebrado pela Cahiers Du Cinéma, o filme é um thriller político que passeia pelo surrealismo e o realismo possível. A trama passada na Polinésia francesa, mais precisamente em Taiti, discute o colonialismo francês através de uma escritora em crise e um diplomata que esconde o reinício de um projeto de testes nucleares no local. Pacifiction foi distinguido com dois prêmios César, os de Melhor Fotografia e o de Melhor Ator para Benoît Magimel, que interpreta um alto funcionário do governo francês, homem calculista e cheio de maquinações políticas.
Albert Serra, premiado cineasta catalão, faz um cinema de linguagem muito própria que tem se destacado no meio cinematográfico europeu. Sobre o filme, o diretor disse ter sempre tido uma ideia muito clara quando resolveu fazer o filme. O tratamento inicial era próximo de um falso idílio numa região idílica, mas isso logo se desvanece a partir de uma premissa política de choque social de poder, entre ricos e pobres. Tratava-se então de construir um desafio, sobretudo formal, de propor imagens insólitas na representação daquele falso mundo.
Serra pensou em subverter as teses de Rousseau de que “o ser humano é naturalmente bom. Em estado de natureza, viveria uma vida isolada dos demais, plenamente livre e feliz”. Os indivíduos seriam o que o filósofo chamava de “o bom selvagem”. Serra então induz o espectador a um estado de perplexidade frente aos fatos que vão se desenrolando ao longo do enredo. Pacifiction, como o próprio nome já induz, subverte expectativas e se transforma numa experiência cinematográfica ao mesmo tempo extravagante e extraordinária.
Além da estreia da produção catalã, o Cine Brasília celebra o retorno do grande diretor mineiro Helvécio Ratton às telas de cinema. O Lodo, filme baseado em um conto de mesmo nome do escritor Murilo Rubião, mistura suspense e humor numa atmosfera gótica e kafkiana. O cineasta diz que “a ideia é colocar o espectador na mente do protagonista, em seu mundo cada vez mais estranho e claustrofóbico”. Sonho e realidade se misturam neste filme surpreendente. No elenco estão vários atores e atrizes do Grupo Galpão (um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil), como Eduardo Moreira e Inês Peixoto.
Em conversa com a imprensa, Helvécio Ratton revela que o que mais o atraiu no conto de Rubião foi a naturalidade com que o autor insere o absurdo na vida das personagens, à maneira de Kafka. “No filme, há uma tensão crescente entre a narrativa realista e a sucessão de acontecimentos insólitos na vida do protagonista. Por um lado, tudo está em seu lugar, a vida parece seguir seu curso normal. Mas, por trás dessa normalidade aparente, surge, repentinamente, o absurdo, com sua lógica de pesadelo ou de estados alterado da mente, o que desconcerta”, acrescenta o diretor. Nesse entrecho kafkiano, o protagonista, Manfredo (Eduardo Moreira), funcionário de uma empresa de seguros, sempre preso a funções burocráticas, começa a se sentir deprimido e busca ajuda de um psiquiatra, o Dr. Pink (Renato Parara).
Dada a raridade de produções brasileiras do gênero, merece destaque o lançamento de Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro, uma animação toda ela realizada em Minas Gerais e dirigida por Guilherme Fiúza Zenha. A trama é comum a vários filmes documentários sobre chefes de cozinha interessados em sair da mesmice dos restaurantes convencionais. No filme, Jack é um prodígio da “Cozinha Aventureira” e viaja por todo o mundo em busca dos ingredientes os mais raros e apetitosos para suas receitas. Ele é um “cozinheiro” bem conceituado, mas que, de repente, vê sua fama desmoronar.
O filme comenta com inteligência a moda dos reality shows. Jack decide participar de uma grande competição chamada “Convergência dos Sabores”, um concurso destinado a todos aqueles que pretendem se aventurar em mundos desconhecidos da cozinha e de seus infinitos sabores. Embora tenha uma narrativa e um tratamento voltado para as crianças, Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro também é um ótimo programa para os adultos. Produzido por Guilherme Fiuza Zenha e pela mineira Immagini Animation Studios, o filme surpreende pela qualidade, apesar de ter contado com um pequeno orçamento numa das conjunturas mais difíceis do cinema brasileiro. O filme possui acessibilidade em libras, legenda e audiodescrição através do aplicativo MovieReading (baixe o app aqui).
Segue em cartaz a ótima adaptação do romance de Honoré de Balzac Eugénie Grandet. A exibição é uma parceria entre o Cine Brasília, a Cinemateca da Embaixada da França e o Institut Français. O filme, escrito e dirigido por Marc Dugain, é uma adaptação livre curiosa. Dugain é também romancista e se esforçou para modernizar o romance de Balzac, usando os elementos que encontram eco em nosso mundo de hoje. Centra-se, assim, na relação entre Eugénie e o pai e transforma o trágico destino de Eugénie Grandet numa história de emancipação de uma mulher.
Romance e filme apresentam a mentalidade da época da Restauração (1814 – 1830) e, como Um Conto de Natal, de Dickens, ou O Avarento, de Molière, desenvolve o tema da avareza exacerbada. Aborda também a paixão despertada em uma jovem provinciana de 23 anos, que vive com seus pais em Saumur, às margens do Loire, por seu primo aristocrático.
Seguindo com o compromisso de semanalmente exibir um filme da nossa Seleção de Curta-metragem da Chamada Pública do Cine Brasília acompanhando um longa programado, apresentamos nesta semana Colmeia, de Mauricio Chades.
•
Curtiu a programação? Acompanhe os horários no site e aproveite para assistir importantes obras do audiovisual ao longo da semana. Desde 2022, a casa do cinema brasileiro possui uma nova gestão compartilhada entre a OSC Box Cultural e a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal. O espaço cultural segue sob a direção geral de Sara Rocha e curadoria de Sérgio Moriconi.
•